sexta-feira, 6 de julho de 2012

Hypatia - a mulher cientista de Alexandria



Hypatia por Rafael de Sânzio

Hypatia - a mulher cientista de Alexandria
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz

Fala-se constantemente da tradicional, difícil e até mesmo hostil relação entre Ciência e Religião, o que a priori leva-nos ao período da Inquisição. Não obstante, a intolerância religiosa é uma das mais escabrosas violências praticadas contra o ser humano, marcadamente, desde o alvorecer do Cristianismo. Uma das ocorrências mais estarrecedoras é o assassinato de Hypatia de Alexandria. Segue o que se tem a dizer dessa mulher de inteligência e cultura únicas do mundo antigo.

A cidade de Alexandria foi fundada por Alexandre, o Grande, no ano de 332 a.C, e logo se tornou o principal porto do norte do Egito. A sua localização privilegiada, na encruzilhada das rotas da Ásia, da África e da Europa, transformou a cidade num lugar ideal para centralizar e concentrar a arte, a ciência e a filosofia do Oriente e do Ocidente.

Hypatia nasce no Egito, cerca de 370 d.C., filha de Theon A. Stockl, renomado filósofo, astrônomo, matemático e autor de diversas obras, professor da Universidade de Alexandria. Theon desenvolve forte ligação com a filha, transmitindo-lhe seu próprio conhecimento e sua paixão na busca de respostas sobre o desconhecido. Alguns historiadores acreditam que Theon tentou educá-la para ser um ser humano perfeito. 

Desde a infância foi Hypatia cercada por livros, rolos de papiro e pergaminho de códigos. A abrangente cultura se espalha pela casa, desde as prateleiras até a mesa de trabalho de seu pai. E o mais importante, vivem em Museyon, centro de pesquisa e ensino superior, do qual se orgulha o Egito. Ao lado dos seus quartos abrigam-se os maiores arquivos do mundo - a Bibliotheca Alexandrina. Fundada e recolhida pelos herdeiros de Alexandre da Macedônia, no tempo de César, quando a cidade é saqueada, sofre danos irreparáveis. De acordo com o testemunho de antigos escritores, queimam-se setecentos mil volumes desse monumento da Antiguidade. Tão belo, que até mesmo o historiador Amiano Marcelino, conhecido por sua eloquência, assegura-se impotente para descrevê-lo.

Ainda sob a assistência e orientação do pai, Hypatia ingressa numa disciplinada rotina física para assegurar um corpo saudável capaz de sustentar o desenvolvimento de um intelecto poderosamente funcional. Sua beleza física é, também, exuberante.

A jovem Hypatia estuda matemática e astronomia na Academia de Alexandria. Ávida pelo saber domina diversas áreas do conhecimento, entre estas a filosofia, a matemática, a astronomia, a religião, a poesia e as artes. Aprecia o céu estrelado. Apaixonada pela geometria usa uma ruma de comprimidos para demonstrar teoremas. Por todo seu esforço e inteligência, Hypatia é um marco na História da Matemática, sendo equiparada a Ptolomeu (85 – 165), Euclides (c. 330 a. C. – 260 a. C.), Apolônio (262 a. C. – 190 a. C), Diofanto (século III a. C.) e Hiparco (190 a. C. – 125 a. C.).

A amplitude de interesses que lhe inquietam o espírito, um desempenho surpreendente, a nitidez da mente e um profundo conhecimento a respeito de Platão e Aristóteles, rendem-lhe o respeito de professores Museyon. Muito jovem tem seus primeiros alunos. Em vez do habitual vestido de menina jovem, Hypatia veste o manto escuro do filósofo. Seu talento para ensinar geometria, astronomia, filosofia e matemática atrai estudantes admiradores de todo o império romano. Rumores sobre o seu conhecimento extraordinário espalham-se mais e mais. Alexandria, a pérola do Egito, famosa por seus estudiosos, agora possui Hypatia.

Não obstante, nenhuma das obras escritas de Hypatia chegou até nós, porque a destruição da grande Biblioteca de Alexandria também destrói seu legado intelectual. Grande parte do que se conhece a seu respeito vem de correspondências próprias e das obras de historiadores, seus contemporâneos. Sinesius de Cirene (370 – 413), seu aluno, destacado filósofo, escreve-lhe a miúdo pedindo-lhe pareceres sobre seu trabalho. Por meio destas cartas sabe-se que Hypatia é a inventora de instrumentos para a astronomia (astrolábio e planisfério) e aparelhos usados na física, entre os quais um higrômetro. Também, amplia estudos sobre a Álgebra de Diofanto (“Sobre o Canon Astronómico de Diofanto”), que escreveu um tratado sobre as seções cônicas de Polônio (“Sobre as Cônicas de Polônio”) e alguns comentários sobre os matemáticos clássicos, entre estes Ptolomeu. Em coautoria com seu pai escreve um tratado sobre Euclides e ganha fama por ser uma grande solucionadora de problemas concernentes à matemática e ao processo de demonstração lógica.

Hypatia é pagã, situação considerada normal para um estudioso de tanto porte, porque, nesta era, o saber se relaciona com o chamado paganismo - alicerçado nas tradições de liberdade de pensamento. Mas, o império romano entra em colapso. As pessoas são fiéis aos antigos deuses, todos os males são atribuídos à nova religião e da igreja cristã vozes cada vez mais altas exigem a destruição completa do paganismo. Bispo Teófilo de Alexandria é um dos mais impacientes, insistente sobre o decreto do imperador para destruir qualquer e todos os templos pagãos, no Egito. A proibição da adoração de ídolos, e de fazer sacrifícios não é suficiente. Anseia a demolição de templos pagãos. O vencedor do cristianismo não mostrou qualquer respeito pela cultura pagã, nem arte, nem para a herança científica.

Em agosto de 410, a Cidade Eterna caíra, a personificação do poder, um símbolo de invencibilidade. Cai sob os golpes dos bárbaros a Roma.

Todos os anos de guerras e perseguições Hypatia continuou a ensinar, sem interferir nas discussões, mantidas à distância da boca e do coração. Aprendeu a manter silêncio. Mas é cada vez mais atormentada pelo pensamento de que o silêncio também ajuda e apoia o crime. Busca justificativas – o que poderia uma mulher fazer em época de grande agitação, quando o império está desmoronando, quando o movimento chega a nações inteiras, quando dezenas de milhares de bárbaros se misturam - as tribos, a religião, costumes e ideias? Hypatia vive para a ciência: aos jovens abre as profundezas da filosofia, e dedica-lhes os mistérios da matemática. Resiste à barbárie ao avançar, preservar e divulgar o conhecimento.

A perseguição alcança o clímax quando, numa tarde de 415 d.C, a ira dos cristãos abate-se sobre Hypatia, que, ao regressar do Museyon, é atacada em plena rua por uma turba de cristãos enfurecidos, incitados e comandados pelo bispo Cirilo. Arrastada para dentro de uma igreja é cruelmente torturada até a morte com pedras, paus, pedaços de telha, cascas afiadas... Hypatia foi morta e lançada ao fogo. Assassinato impune.

Desde então, o fato é contado por diversos historiadores. Ora transformada em mártir dos cristãos, ora sob as vestes de menina “com o corpo de Afrodite”, que matou monges sábios. A verdade é que a vida de Hypatia merece os cuidados de um excelente romancista, que, rejeitando selos, seja capaz de mostrar a sua idade, a época de grandes conflitos sociais e da luta amarga de ideias.

Frases de Hypatia

"Governar acorrentando a mente através do medo de punição em outro mundo é tão baixo quanto usar a força."

"Todas as religiões dogmáticas formais são falaciosas e nunca devem ser aceitas como palavra final por pessoas que respeitem a si mesmas."

"Ensinar superstições como uma verdade absoluta é uma das coisas mais terríveis." 

Citações sobre Hypatia

Sócrates, o Escolástico (em ' História Eclesiástica')
"Havia em Alexandria uma mulher chamada Hypatia, filha do filósofo Theon, que fez tantas realizações em literatura e ciência que ultrapassou todos os filósofos de seu tempo. Tendo progredido na escola de Platão e Plotino, ela explicava os princípios da filosofia a quem a ouvisse, e muitos vinham de longe receber seus ensinamentos."

Carl Sagan:
“Há cerca de 2000 anos, emergiu uma civilização científica esplêndida na nossa história, e sua base era em Alexandria. Apesar das grandes condições de florescer, ela decaiu. Sua última cientista foi uma mulher, considerada pagã. Seu nome era Hypatia. Com uma sociedade conservadora à respeito do trabalho da mulher e do seu papel, com o aumento progressivo do poder da Igreja, formadora de opiniões e conservadora quanto à ciência, e devido à Alexandria estar sob domínio romano, após o assassinato de Hypatia, em 415, essa biblioteca foi destruída. Milhares dos preciosos documentos dessa biblioteca foram em grande parte queimados e perdidos para sempre, e com ela todo o progresso científico e filosófico da época.”

Enrico Riboni:
“[...] a brilhante professora de matemática representava uma ameaça para a difusão do cristianismo, pela sua defesa da Ciência e do Neoplatonismo. O fato de ela ser mulher, muito bela e carismática, fazia a sua existência ainda mais intolerável aos olhos dos cristãos. A sua morte marcou uma reviravolta: após o seu assassinato, numerosos pesquisadores e filósofos trocaram Alexandria pela Índia e pela Pérsia, e Alexandria deixou de ser o grande centro de ensino das ciências do mundo antigo. Além do mais, a Ciência retrocederá no Ocidente e não atingirá de novo um nível comparável ao da Alexandria antiga senão no início da Revolução Industrial. Os trabalhos da Escola de Alexandria sobre matemática, física e astronomia serão preservados, em parte, pelos árabes, persas, indianos e também chineses. O Ocidente, pelo seu lado, mergulhará no obscurantismo da Idade Média, do qual começará a sair somente mais de um mil anos depois. Em reconhecimento pelos seus méritos de perseguidor da comunidade científica e dos judeus de Alexandria, Cirilo será canonizado e promovido a Doutor da Igreja, em 1882.”

Edward Gibbon, sobre a morte de Hypatia:
“Num dia fatal, na estação sagrada de Lent, Hypatia foi arrancada de sua carruagem, teve suas roupas rasgadas e foi arrastada nua para a igreja. Lá foi desumanamente massacrada pelas mãos de Pedro, o Leitor, e sua horda de fanáticos selvagens. A carne foi esfolada de seus ossos com ostras afiadas e seus membros, ainda palpitantes, foram atirados às chamas.”

Hesíquio, o hebreu, aluno de Hypatia:
“Vestida com o manto dos filósofos, abrindo caminho no meio da cidade, explicava publicamente os escritos de Platão e de Aristóteles, ou de qualquer filósofo a todos os que quisessem ouvi-la... Os magistrados costumavam consultá-la em primeiro lugar para administração dos assuntos da cidade”.

Trecho de uma carta de Senésio de Cirene , aluno de Hypatia:
“Meu coração deseja a presença de vosso divino espírito que mais do que tudo poderia adoçar minha amarga sorte. Oh minha mãe, minha irmã, mestre e benfeitora minha! Minha alma está triste. Mata-me a lembrança de meus filhos perdidos... Quando receber notícias vossas e souber, como espero, que estás mais feliz do que eu, aliviar-se-ão pelo menos a metade de minhas dores”.

Este texto é adaptação de matérias publicadas na Internet. Mostra-nos que as perseguições religiosas, a violência e a falta de respeito praticada contra as mulheres acompanha o ser humano desde prístinas eras.




REFERÊNCIAS

A MAIS sábia dos sábios. Ciência e Religião. Disponível em: http://novznania.ru/?p=2247. Acesso em: 8 mar. 2012.

HIPÁCIA, uma das grandes mulheres da Antiguidade! Disponível em: http://forum.outerspace.terra.com.br/showthread.php?t=348848. Acesso em: 8 mar. 2012.

MAZZON, Tiago. Hipácia de Alexandria, vítima do fanatismo cristão. Disponível em: http://www.labirintodamente.com.br/blog/2011/08/24/hipacia-de-alexandria-vitima-do-fanatismo-cristao. Acesso em: 8 mar. 2012.

IMAGEM: capturada através do Google. Acesso em: 8 mar. 2012.

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